Direito a saúde, real ou escrito?

 

A doença é inerente a nossa condição humana, não escolhe gênero, classe social, condições econômicas. Felizmente a Constituição coloca a saúde como um direito fundamental, por que não dizer, corolário do direito à vida, considerada a vida em sua plenitude e dignidade.

Ocorre, que apesar do direito a saúde ser cláusula pétrea, há inúmeras ações pelas quais o Estado e o Município comumente respondem por negarem medicamentos, insumos ou exames à população. O que deveria ser fornecido espontaneamente se transforma na chamada judicialização da saúde.

Para chegar no litígio, a demanda passa por uma etapa anterior que é a consulta médica e a proposta de tratamento.

Neste momento é elaborado um dos documentos mais importantes das lides de saúde: o relatório médico. É nele que o médico pormenoriza a necessidade do fármaco ou do exame. Tal documento deve ser elaborado com muito cuidado tendo em vista o atual posicionamento do STJ.

O motivo é que o STJ julgou o recurso repetitivo (Resp 1.657.156/ RJ 2017/0025629-7 autuado em 08/02/2017) e fixou requisitos para a concessão de medicamento quais sejam: a comprovação através de laudo médico; a imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; a ineficácia dos fármacos fornecido pelo SUS; o registro do medicamento na ANVISA e finalmente a comprovação de que o paciente não possui condições de arcar com o medicamento previsto.

Insta salientar que os requisitos devem estar presentes de forma cumulada. Em outras palavras, todos os requisitos devem estar presentes para a concessão do medicamento.

Sabemos que o Direito a Saúde além de ser Cláusula Pétrea expressa no artigo 5° da Constituição Federal de 1988, é Direito da Personalidade. O artigo 15 do Código Civil de 2002 anuncia que ninguém pode ser constrangido a submeter a tratamento médico ou cirúrgico, quando há risco de vida.

Diante dessa premissa, ao negar a oferta de medicamentos e tratamentos médicos, o Estado, bem como o Município não estariam realizando essa opção em nome do paciente? Esse é um ponto de necessária reflexão, tendo em vista que os Direitos da Personalidade são irrenunciáveis e insuscetíveis de limitação voluntária, conforme expressa o artigo11 do Código Civil de 2002.   

Do ponto de vista constitucional, podemos verificar um distanciamento do que se afirma por direitos fundamentais. Considerando que a carta magna não limitou o direito a saúde, não estaria o STJ legislando? Fica a reflexão.

Tais requisitos evidenciam a ligação entre o direito e a medicina, uma vez que para tratar de forma integral o paciente o médico e as secretarias de saúde deverão adequar a suas práticas aos requisitos fixados pelo tribunal para não prejudicar os direitos dos pacientes.

Ademais, os próprios entes que oferecem o serviço através do SUS, são os mesmos que têm o dever de se adequarem aos requisitos propostos pelo STJ, além de serem aqueles que litigam contra a população que necessita do medicamento. Fica mais uma reflexão.

O STJ também determinou a modulação de efeitos, sendo que os requisitos aplicados para a concessão do medicamento valem apenas para os processos que foram distribuídos após a conclusão do julgamento do recurso especial.

Demandas que envolvem a saúde estão longe de chegarem ao final, é certo que o STJ, legislou em matérias pelas quais o legislador constituinte não fez limitações. A resposta para o título perpassa por uma reflexão sobre as normas jurídicas, considerando que não basta legislar.

Obstaculizar o direito a saúde é uma grave contradição e se contrapõe ao direito constitucionalmente estabelecido, além de ser uma violação ao princípio do não retrocesso, sendo que cabe a todos os entes a garantia do direito à saúde.

* Izabella Botelho Santos é advogada, conciliadora e mediadora certificada pelo TJMG.

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BRUNO DE OLIVEIRA MARTINI
BRUNO DE OLIVEIRA MARTINI
3 anos atrás

Eu torço para que um dia nós, brasileiros, não precisamos correr atrás de uma coisa que de fato é de nosso direito como consta no art 5 da nossa constituição 1988, que como diz a advogada Izabella Botelho Santos e na constituição trata-se de uma cláusula pétrea, mas infelizmente existem muitos obstáculos em nosso país que já basta a doença que aflora no inferno e ter que “correr” atrás dos seus direitos para viver. Logo, tenho certeza que um dia todos nós que lutamos pelos direitos sejamos recompensados lá na frente, não só no modo de ajudar o próximo, mas tem… Read more »

Maria das Dores
Maria das Dores
3 anos atrás

O mais grave de tudo isso é que geralmente, as necessidades de medicamentos que chegam ao nível de judicialização, são de medicamentos paratratamento de doenças graves que recisam ser tratadas de imediato. Com toda a burocratização, quando o medicamento for concedido, e se for concedido, estará o doente vivo?

Vanessa de Andrade Oliveira
Vanessa de Andrade Oliveira
3 anos atrás

O Sus é um sistema maravilhoso no papel e para que conhece seus direitos explícitos na Constituição, a morosidade nos atendimentos e na realização de aprovação para medicamentos e exames de alta complexidade, se deve a não informação do usuário de como desfrutar dos benefícios. Os próprios governantes omitem o que o SUS tem de melhor. A atenção primária é uma área dos postos de saúde que não é explorada em toda sua atenção, se apenas essa área se destacasse diminuiria em massa os atendimentos de urgência, pois o paciente não chegaria ao ponto de necessitar usar medicação e não… Read more »

Herlei Severo
Herlei Severo
3 anos atrás

É de conhecimento comum que a procura e consequentemente a judicialização de pedidos de medicamentos são realizados por pacientes com doenças graves, muitas vezes terminais e com recursos financeiros precários. Diante disso quando percebemos a tamanha burocratização para o acesso a esses medicamentos, deparamos com negativa dos Estados e Municípios ao acesso a saúde, o que fere a dignidade da pessoa humana, quem está doente não pode esperar, não existe tempo e se o bem mais precioso que temos é a vida, ela não está sendo tida como prioridade.

CAROLINA MOREIRA
CAROLINA MOREIRA
3 anos atrás

Direito a saúde, real ou escrito? Este tema é de extrema relevância e muito polêmico e terá casos sempre a respeito deste tema. Bom Professor, vou começar citando o artigo 196 da constituição que fala: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Pois bem agora vou ressaltar um bordão: Todo brasileiro é usuário do SUS e desde o nascimento tem direito a serviços… Read more »

Claudia Doerl
Claudia Doerl
3 anos atrás

Izabella Botelho Santos, ótimo texto! Em tese, o SUS é excelente, porem sobrecarregado e mal gerido. Má gestão e falta de gerenciamento político comprometem todo o setor da saúde.